quarta-feira, 18 de março de 2009

Sexta-feira 13


Que dia mais interessante era aquele. Sexta-feira 13, cada homem e mulher na face da Terra estava repleto de excitação, fingindo sensações intrigantes, contando odiosas histórias de horror e compartilhando, de forma ritualística, seus medos reais uns com os outros. Era um dia mágico às avessas em que as pessoas costumavam celebrar com alegria, e embora seu tema fosse tão soturno, todos se encontravam em estado de ventura. Todos, menos Zecazar.

Para o nosso pequeno herói antagônico da boa sorte, aquele era um dia de super ventura! De fato, era mais especial para ele do que para qualquer outra pessoa de que se tenha notícia, pois deveria ser o dia da igualdade entre os homens, quando não apenas ele, mas todos os seres racionais existentes em um raio de sabe-se-lá-o-tamanho-da-Terra, estariam se deparando com a face da má sorte.

Acontece que, no azar e na pobreza, a bem da verdade, não existe o dia da igualdade social, e quando aquela sacada do vizinho despencou terra abaixo, teria sido conveniente Zecazar prestar atenção à escala richter imediatamente. O dia prometia ser sísmico, mas ele estava um tanto emocionado, naquela sexta-feira, para se dar conta disso.

Passava pouco das oito da manhã quando ele acordou sobressaltado ouvindo os gritos apreensivos que invadiam o seu quarto escuro. Pareceu um passe de mágica: em menos de três segundos ele estava de pé, tinha um sorriso frouxo nos lábios e um par de olhos inchados que reviravam ao som do seu próprio sussurro malicioso.

– Hoje é o meu dia. – E, de fato, foi. Mais um.

Mal acabara de sair de dentro do pijama, já apanhava uma bela caneca de café fresquinho na cozinha enquanto fazia o seu caminho até o quintal para ver o que se passava pelas redondezas e vinha causando tanto rebuliço na vizinhança. Sua primeira suspeita fora de que algo realmente ruim teria acontecido e, pasmem, “eu não fui o alvo!” – pensou. Assim, nem mesmo um gole descuidado da sua caneca conseguiu apagar aquele sorriso frouxo do seu rosto, enquanto a sua língua travava uma duelo perdido contra os seus dentes serrados, na esperança de escapar para o ar livre, gritar por socorro, apagar aquele fogo que se alastrava por todo o interior da sua boca... “chamem o corpo de bombeiros”...

NÃO! Nada poderia macular aquele momento gracioso, aquele deleite de poder contemplar a derrocada de alguém que, Jesus-Senhor-Amado, não era ele mesmo, Zecazar! E aquelas lágrimas que lhe escorriam do rosto que não ousassem dizer em voz alta o real motivo de sua aparição: elas seriam, dali em diante, de alegria. E ponto final.

Sua emoção era tanta que por apenas um milésimo de segundo – não mais do que isso – uma sombra perpassou o semblante de Zecazar quando, cruzando o seu jardim, percebeu ter lama por todos os lados. Mas e daí um pé na lama? E daí uma língua queimada? E daí que aquela sacada tivesse tombado “justamente para o lado do meu quintal?”.

– Que sorte, hein, Zé?!. – se lamuriou um vizinho, lá de cima, recostado à porta que antes dava para a sacada da sua suíte.

Sua expressão era de quem acabara de enterrar a própria mãe, e isso era a prova de que ele jamais seria capaz de compreender que o ocorrido não era tão mau assim. Quer dizer, sabe-se lá como aquela sacada não despencou diretamente em cima do seu carro do ano, lustroso e tamanho família e foi aterrissar a menos de cinqüenta centímetros do carro chevete 1992 de Zecazar. Uma ventania na hora da queda? Talvez a sacada tivesse ganho um par de asas e por isso mesmo havia se soltado da parede e voado uns três metros antes de perdê-las novamente e... “que absurdo!” – pensou Zecazar – “provavelmente é esse dia da igualdade entre os homens que nem...”

– NÃO! – protestou. – Hoje é o meu dia! – insistiu.

É claro que ele acreditaria na versão da sacada alada, por quê não? Afinal de contas, era o dia da igualdade e tudo seria possível. Por menos de cinqüenta impossíveis centímetros o seu velho chevete não havia escapado da morte? Então! Enquanto seu vizinho dramático perdera uma elegante – e maternal – sacada, seu único prejuízo apresentara-se como um cano rompido e um pequeno vazamento.

Ok, talvez, depois de uma segunda olhada, toda aquela água em seu jardim significasse um pouco mais do que um pequeno vazamento se alastrando; mas, pela madrugada, o seu chevete 1992 escapara intacto! Aquilo era um grande sinal, era mais do que apenas estar dividindo seu azar com o resto da humanidade, aquilo era quase...

– Que sorte, hein, vizinho?! – Zecazar exclamou para o outro com aquele sorriso quase inabalado e certo de que o seu dia estava começando dentro das expectativas. – Não se preocupe, está tudo certo.

Errado. Quando deu meia-volta para entrar em casa, aquela velha sombra retornou ao seu semblante e, desta vez, não fez questão de abandoná-lo em apenas um milésimo de segundo. Na verdade, agora ela estava gostando da nova morada e instalou-se por ali tanto tempo quanto foi preciso para Zecazar ver toda aquela água se transformando no seu dilúvio particular, escorrendo para dentro da sua casa, invadindo cada cômodo e atacando cada pertence que encontrava pela frente com uma velocidade felina.

Espantado com a disposição cruel que aquela água tinha de treinar para os cem metros rasos sem barreiras dos próximos jogos olímpicos – dentro da sua casa – Zecazar encontrava-se em uma espécie de “transe paralisante” que, aos poucos, começava a dispersar à medida em que um som angustiante ganhava volume em seus ouvidos. Gegê, empregada e única visita constante naquela casa, corria por todos os lados tentando salvar o que lhe fosse possível. Aos olhos aterrorizados do proprietário, ela era a imagem da Louca da Lagoa do Tapeba, piorando a situação com aquela dança e ladainha da chuva.

Mas não era hora de vacilar, algo precisava ser feito com urgência; e, assim, Zecazar tomou rapidamente a decisão que julgou mais sensata para o momento. Correndo para dentro de casa, enfrentou incríveis vinte centímetros de uma água “pilantra, invasora, enviada do MST... eles não me enganam, não!”; a sensatez parecia estar abandonando aquela cabeça, o que, de fato, ficou comprovado no segundo seguinte. Forçando a porta do seu quarto, Zecazar correu na direção de uma pequena mesa de leitura, sobre a qual havia poucos objetos, e abriu nela duas gavetas. Não domorou a encontrar o que estava procurando: um calendário!

– Hoje é ou não é o meu dia?

Estava dialogando com o seu calendário da mesma forma como a bruxa malvada da Branca de Neve costumava dialogar com o seu espelho mágico. Porém, diferente do conto de fadas, a resposta muda do seu calendário não foi nada satisfatória. Sim, era sexta-feira 13, e a sensação naquele momento era de que realmente fosse, por que aquele número começou a dar-lhe punhaladas e punhaladas como se tanto Zecazar quanto o seu calendário fizessem parte de um filme de terror bizarro. As punhaladas eram tão ferozes que o sangue que escorria do seu corpo já lhe cobria os pés quase até os joelhos.

Mas, de repente, tudo era água; não havia mais sangue nem punhal. A Louca da Lagoa continuava por todos os lados e os seus gritos, certamente, seriam ouvidos por toda a eternidade. O bom senso começava a trabalhar novamente naquele corpo, arrancando dali o encosto da estupidez e matando-o de forma tão conveniente que passou longe de ser criativa: afogamento.

Não havia mais tempo à perder, mesmo que o orgulho estivesse ferido, e Zecazar sabia admitir que antes tarde do que nunca. Agora, sim, era hora de chamar o corpo de bombeiros – sua língua, ainda em chamas, vibrou.

sexta-feira, 6 de março de 2009

Prefácio


Zecazar é um cara assim, simples, que conta com o pouco que a vida lhe proporciona. Pouco dinheiro, poucos amigos, poucas mulheres... porém, muitas aventuras. Ah, muitas aventuras!

Não é simplesmente fantástico quando os acontecimentos têm tudo para dar errado e, no fim das contas, eles realmente vão por água abaixo? Fantástico, claro! A expectativa da boa sorte pode ser vista por todos os lados: em filmes e novelas, em contos, livros, na vida real e, ora!... nem mesmo nas piadas as coisas acabam sempre tão mal. Por isso que, por pior que seja a situação, o clichê é inevitável: “a esperança é a última que morre”.

Pois bem, esqueçam tudo isso sobre sorte e esperança e sejam bem-vindos ao mundo deste humilde cavalheiro, onde reinam Murphy no céu e qualquer surpresa ruim na Terra; onde a ferradura é acessório para cavalo, o trevo tem apenas três folhas e o pé de coelho é nada mais, nada menos do que o pé do coelho (obviamente); onde a sexta-feira 13 é o dia da igualdade entre os homens; onde a sorte é um faz-de-conta e o azar é a força que lhe dá movimento - muito movimento!

Neste mundinho particular de Zecazar, aliás, o velório da esperança já aconteceu há, vejamos...

Ah! Vejamos.

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